Domingo passado recebi visita. Servi frango assado e legumes. Como tinha visita, em vez de arrancar os pedaços do frango com a mão, como faço sempre, peguei uma faca, usei as boas maneiras e destrinchei. Fatiei o peito, pelejei com as coxas, mas rolou.
Fui na cozinha pegar alguma coisa e quando tô voltando ouço o seguinte diálogo:
Visita:
- Vou pegar mais, mas não sei cortar frango com a faca, uso a mão. Vocês vão achar muito selvagem?
Meu marido:
- Não. Nunca tinha visto a Helô usar faca. Ela sempre usa a mão.
Eu, sentando de volta na mesa:
- Ai meu. Visita, né? Não dá pra saber se a pessoa vai achar normal ou ficar passada de ver eu pegar o frango com a mão.
Visita:
- Oi? Esqueceu quem veio na sua casa? Sou eu. Leonor.
(Se isso aqui fosse um filme, agora ia começar a tocar essa música.)
Preciso fazer mais amigos onde moro. Esse é um grande tema pra mim. Quero amigos.
A criança mais fofa do mundo vai na creche do meu filho – e não é meu filho. Sempre é o pai que vai buscar o menino. Já tinha falado com o pai, um cara simpático mas reservado. Nunca tinha visto a mãe.
Um dia, numa festa de outra criança, foi a família inteira. Pai, mãe, o menino e o irmão mais novo. O nível de fofura dessas crianças é o seguinte: o mais novo tem covinhas no lóbulo da orelha.
Vi a mãe e fui lá me apresentar. Falei que achava o filho dela a criança mais fofa do mundo e que se um dia ele desaparecesse era pra ela ir procurar primeiro na minha casa (olha que assunto ótimo…). Ela deu risada e falou: cuidado com o que você deseja, ele é uma peste. Catei que ela tinha um sotaque. Ela catou meu sotaque. Depois da ameaça de sequestro, o próximo assunto foi de onde você é?
– Brasil.
– Argentina.
É difícil explicar a alegria de encontrar uma pessoa sul-americana. Eu sei que tem gente legal e gente escrota em todo canto do mundo, mas é mais fácil entender (inclusive se a pessoa é legal ou não) quando ela vem do mesmo canto do mundo. Eu não sabia disso. Aprendi aqui.
A gente conversou, trocou telefones, combinou de se ver de novo. Eu tava grávida, falei:
- Vamos marcar um café? Eu normalmente diria vinho, mas não posso beber.
Ao que ela respondeu:
- Tudo bem, eu bebo e você olha.
E meu coração deu mais uma pirueta de alegria.
A gente trocou umas mensagens, a coisa tava andando no ritmo das amizades aqui: devagar quase parando. Eu já tinha desanimado, quando encontrei com ela no estacionamento da creche. Fui dar oi e, sem pensar: abraço. Sem aquela hesitada esquisita, sem desencontro, apenas um natural abraço de oi.
Você que está no Brasil sabe a felicidade que é ter o privilégio de dar e receber abraços de oi algumas vezes por dia sem nem pensar. Eu me senti revigorada. (São 3 anos de hesitação. Uma vez, no aniversário de um dos meus bffs daqui, cheguei e dei um abraço de oi + feliz aniversário. Outro amigo viu e falou: ah não, não vem com essa mania europeia de encostar nos outros quando dá oi.)
Não vou contar cada encontro, cada detalhe dessa linda história de amizade que acabou de completar um ano (o aniversário da criança onde nos conhecemos acabou de acontecer de novo). Quero só contar mais uma história, minha favorita, empatada com o frango.
No começo do ano, marquei de ir na casa dela pras crianças brincarem e a gente tomar café (ainda tava grávida, bem no fim da gravidez, esse dado é relevante). No dia de ir, acordei com uma grande crise de hemorróidas. Se você não sabe, gravidez pode dar hemorróidas. Ninguém fala disso, é um horror, suga o pouco que sobrou de normalidade no corpo de grávida. A gravidez de um terceiro filho com certeza tem esse aspecto (ele é cu-mulativo, risos). Então mandei uma mensagem pra minha recém-amiga falando que não ia dar pra ir porque estava com hemorróidas.
Ela respondeu que sabia como era, dois filhos e tal. E que depois de explorar as muitas opções na farmácia, ela sabia qual era a pomada que funcionava melhor e mais rápido que as outras. Depois de uma hora ela tava na porta da minha casa com um saquinho na mão.
O primeiro presente que a Leonor me deu foi uma pomada de hemorróidas.
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aiii que delícia esse texto <3
Aí, Helô. Que maravilha! Quando quiser dar uma risadinha leve hoje vou lembrar da Leonor