Auto cárcere privado privado
A minha casa é toda meio velha. O prédio tem mais de 80 anos e, dizem por aí, é o primeiro prédio residencial de SP. Eu sou adepta do predinho antiguinho. Ache isso um clichê, eu acho isso um charme.

Morar em um prédio antiguinho tem vantagens e desvantagens. E ontem eu fui prisioneira de uma delas, das desvantagens, digo. É que quando você adota esse estilo de vida começa a tolerar coisas como janelas que não fecham e portas que não abrem, sigo.

Daí que ontem, quando caiu aquele temporal, eu resolvi dar um tempo em casa para não me encharcar no caminho para o trabalho. Entrei o escritório e... bum, a porta bateu. Não seria nada demais, bastaria abrir a porta. Se a maçaneta estivesse lá. Ela não estava.

Não que isso não tivesse acontecido antes. Vive acontecendo, mas nunca eu tinha ficado do lado de dentro. Eu sempre estive do lado de fora. E lá estava eu, às 14h, em cárcere privado-privado, em auto-cativeiro. Trancada do lado de dentro do meu escritório.
A maçaneta sem maçaneta fica apenas um pino, como pode ser visto na foto.
Há duas soluções possíveis. A primeira: tentar expulsar o pino para colocar ali outro objeto e girar a lingueta. A segunda: tentar girar o pino. A segunda é a lusitana, e, pois, a que eu tentei ao longo de horas, ou melhor, de dezenas de minutos.
Primeiro, eu tentei usar as minhas limas de joalheria. Eu comprei esses curiosos artefatos obrigatoriamente para aulas de joalheria (um inferno) na faculdade. Elas são muito afiadas na ponta e são boas lixas, então hoje uso para quase tudo que precise ser cutucado, desgastado, destruído, torturado etc.

Já sei, você vai perguntar: mas como você tentou girar o pino usando limas? É mais ridículo do que isso. Eu tentei usar as limas para girar a lingueta por meio do buraco da chave. Certo? Certo. Passado é passado. Vamos seguir adiante.
A segunda tentativa foi usar a espátula de tinta. Que eu também fui obrigada a comprar durante a faculdade. E perceba: eu estava trancada no escritório, não em uma ferramentaria. Eu não tinha um alicate e ponto final. Pois bem, eu não lembro exatamente o que eu tentei fazer com a espátula.

Daí veio a melhor ideia de todas: o velho apontador de lápis de manivela. E essa foi quase-quase... O apontador de manivela tem umas garrinhas para prender o lápis. Eu consegui fazer essas garrinhas prenderem no pino e comecei a girar o apontador. A linguetinha foi indo, foi iiindo e foi... e girou em falso. Faltava pouco, faltavam milímetros....

Então eu desisti da maçaneta e comecei a traçar outro plano. A ideia parece engenhosa mas é simples: ligar a um vizinho, pedir para ele ir até a calçada (sob a tempestade), atirar a minha chave para ele. Aí o vizinho vem até minha casa e me liberta do cativeiro double privé.

Acontece que eu só tenho três vizinhos: o do 21, o do 24 e o do 26. O 22 é vazio, o 23 sou eu e o 25 está à venda. E nenhum dos três estava em casa. Ó, céus cruéis. A solução, no fim, foi muito simples, o Dani, meu marido, veio para casa e me libertou.

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