Tirando as pessoas que amo, o que mais sinto falta aqui é: 1. mamão papaya maduro, 2. manga perfeita e 3. pão francês. Café da manhã é saudade. Melhor chamar de breakfast mesmo, que é pra nem tentar.
Por outro lado, o café que eu tomo é bom pra caramba (só na micro cidade em que moro tem 5 torrefações artesanais com grãos do mundo todo).
Zero saudade
Do que eu menos sinto falta:
vizinho barulhento
Banho
Na embalagem de xampu dos meus filhos tá escrito “No Parabens”. Eu sei que é sobre a composição química, sem parabenos. Mas sempre vem a cena na minha cabeça:
Festa de aniversário, acende a velinha, começa o parabéns e as crianças pegam seus xampus e começam a lavar a cabeça.
Festinha
Falando em aniversário, aqui Parabéns não tem palma. É mais lento, menos alegre e me faz pensar em Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo. Festa tem hora pra começar e pra terminar. Como líder do clube dos Inimigos do Fim, fico pessoalmente ofendida. Claro que já tratei de encontrar a sede do Enemies of the End. Mas o clube aqui é bem menor.
Floresta de luvas
Se você encontra uma luva ou sapato perdido na trilha, no parque, onde for, o código é: coloque o item no lugar mais visível o possível. A lógica é boa: o dono do item perdido, quando se dá conta e tenta retraçar o caminho, encontra lá a luvinha, a sandália, a meia… Acontece que o lugar bem óbvio quase sempre é: espetado num tronco. Aí neva, chove, suja, e a coisa vai ganhando um ar de floresta dos fantasmas.
Bi-bi
Adoro que todos os carros têm câmbio automático. Pra que trocar marcha? Pra que controlar as engrenagens do carro se ele pode fazer isso por você automaticamente? Pra que transformar toda ladeira em um momento de tensão se você pode dirigir um carrinho de bate-bate por aí? Pessoal de Perdizes, sintam-se abraçados.
Do it yourself
Detesto que qualquer serviço é caro demais pra mim. Fazer a unha, cortar o cabelo, depilar. Chamar o encanador quando o cano entope, o eletricista pra trocar tomadas velhas, o jardineiro pra cortar a grama. Inacessível. Corto o cabelo no Brasil, depilo no banheiro de casa e desencanei de unha feita. Todo mundo cuida da casa (inclusive as crianças) e viva os tutoriais do YouTube para pequenos reparos. O do it yourself não é estilo, é necessidade.
No fim das contas
Adoro morar aqui. Escolhi vir, vivo numa casa linda e meu jardim é o bosque da Branca de Neve. Mas passados quase dois anos, digo com tranquilidade: imigrar é a coisa mais difícil que já fiz na vida.
A parte mais pesada, pra mim, é que ser imigrante inclui uma nova versão de auto-crítica: tudo que eu faço vem seguido de uma auto-avaliação do meu desempenho enquanto pessoa adaptada.
É um saco. Vivo entre o Medium e o Poor. Se não, não estaria reclamando.
Exemplo: duas semanas atrás, um vizinho que conheço pouquíssimo veio devolver um livro que emprestei pros filhos dele. A família estava se preparando pra viajar pra Nova Zelândia. Peguei o livro e fui desejar boa-viagem, mas saiu assim:
- Boa viagem! Depois vou querer saber TUDO o que aconteceu.
Awkward
Eu amo essa palavra. Amo. Sempre amei, desde a primeira vez que vi na aula de inglês ainda criança. Hoje, casamos. Ela vive comigo, é minha companheira diária.
Você nem precisa saber o que ela significa, nem como pronuncia. É só olhar: awkward é a esquisitice escrita. A ortografia dela é tão desconfortável quanto o que ela quer dizer. Que é basicamente essa estranheza constrangedora e inconveniente de virar pra um desconhecido e dizer que você quer saber TUDO o que aconteceu na viagem dele com a família dele.
E o pior
Eu não quero saber tudo. De verdade que não quero. Quero no máximo os destaques. Falei com uma das crianças ontem, o Wes. Ele amou: 1. Ver o kiwi. 2. Ver as minhocas fluorescentes. 3. Ir à praia. 4. Fazer caminhadas.
Tá ótimo pra mim.
Que drama
Ai, mas, péra, o que é uma frase mal formulada numa interação superficial e sem maiores consequências? Nada. Mas multiplique por todas as frases. Todas. De pedir um café a discutir a relação. All-kward.
Lembrei de outra. Tem um menino da classe da creche do meu filho que tem o rosto mais peculiarmente fofo do mundo. Ele me lembra a Ponyo.
Um dia, vi o pai dele. Ponyo adulto. Tudo de peculiar que tem no rosto da criança tem no rosto do pai. Mas um tem 2 anos e o outro, sei lá, 40. Fiquei empolgada.
- Você parece ele. Ele parece você. Vocês se parecem um com o outro!
Saiu bem destrambelhado. A professora, vendo a cena, (cringe e) falou com a voz firme e doce que só professora de criança tem:
- Yes, you are similar!
Mas, espera, essa aqui tem uma camada a mais.
Adeus, espontaneidade
Se a cena fosse no Brasil, seria:
- Gente, sua cara!
E a próf diria:
- Né?
Eu teria ido embora sem ganhar um Very Bad na auto-avaliação de desempenho enquanto pessoa adaptada.
A camada a mais é: há uma incompatibilidade entre a espontaneidade que eu sinto e a espontaneidade que sou capaz de produzir com palavras. Não sei falar Gente-sua-cara! em inglês. Mas também não sei calar a boca. Ao menos não diante de Ponyo adulto de camisa social buscando seu filho Ponyo toddler mais fofo da escola. Mas aí produzo uma frase robótica (você-parece-ele-ele-parece-você-vocês-se-parecem-um-com-o-outro) com empolgação de Gente-sua-cara!
É dizer: o céu está azul e sem nuvens. a brisa é agradável tem uma temperatura adequada. o ar está limpo. Mas com cara, tom e expressão corporal de “Que dia lindo!"
É meio ridículo.
5.445 caracteres com espaço
eu fico me segurando pra não comentar em todos os textos que você escreve, hello, mas é impossível! awkward pra mim sempre foi e sempre será auckland. não sei o spelling. não adianta. agora mesmo tive que ir no google. é tipo push e pull... push será sera puxe. já tentei parar na frente da porta bem awkward e focar. e puxei. a espontaneidade tá me pegando pelo colarinho agora na vida de professor de espanhol em inglês. já falei em português querendo explicar algo de espanhol em inglês. awkward. ninguém sacou a diferença entre o português e o espanhol, mesmo. então tudo bem. sobre a vida de imigrante, soube que um aluno me chamou de inocente. me deixou feliz por ainda passar algum nível de naivety, mas também chateado por passar algum nível de naivety. imigrante, afinal. queria ser seu vizinho. ❤️
me identifiquei com a parte da vida de imigrante. passo dias ruminando frases mal ditas em italiano, inexatas, incorretas, em diálogos banais. ou comentários com alguma gracinha que ninguém entende. percebo que, depois de quatro anos, fui deixando de lado o sarcasmo (uma parte de mim importante) em italiano, por preguiça de não ser compreendida ou medo de ofender alguma camada que desconheço. daí, mais saudades ainda dos amigos brasileiros.