Balaio de Gato

“Nasci para brilhar. Simples assim”, afirma Nora, quando questionada sobre a popularidade dos gatos na internet. A resposta, embora simples assim, dá algumas pistas sobre o mistério do monopólio felino na rede.
Em primeiro lugar, Nora é um dos 93,6 milhões de bichanos norte-americanos. No mesmo país, há 77,5 milhões de cães domésticos. No mundo, a proporção se mantém. Nos dez países em que há mais gatos domésticos (EUA, Rússia, China, Brasil, França, Itália, Reino Unido, Japão e Alemanha), são 204 milhões deles. E nos dez países em que há mais cães (EUA, Brasil, China, Japão. Rússia, África do Sul, França, Itália, Polônia e Tailândia), são 173 milhões de totós.
Em segundo lugar, Nora é uma gata que toca piano.
Em terceiro, além de tocar piano, ela respondeu a uma entrevista por e-mail. Como? Mandamos as perguntas para Betsy Alexander, sua dona, que respondeu tanto por ela quanto pela gata. Isso prova que donos de gatos em geral são meio doidos.
Há mais gatos, eles fazem coisas esquisitas e seus donos são pirados o suficiente para passar horas filmando, fotografando e subindo tudo isso para a web. O resultado você conhece: gato que toca teclado, gato que faz careta, gatos com objetos invisíveis, gatos que se parecem com Hitler. Até uma Bíblia em linguagem LOLcat foi escrita (leia ao lado). Nesse balaio de gato, deve ter um que faça você dar uma risada alta.
Início. Dizem que tudo começou com os japoneses. Eles com seus nekos (gato em japonês), suas câmeras e sua desenvoltura com a tecnologia teriam dado origem ao fenômeno.
Mas isso é ignorar a origem de tudo, um dos primeiros grandes boatos da internet e uma espécie de sinal do que vinha por aí. Em 2001, o fictício doutor Michael Wong Chang afirmava em seu site ter desenvolvido, usando a técnica do bonsai, uma forma de manter um gato dentro de uma garrafa. Era o fim do dilema “eu quero um gato, mas não quero bagunça”. Era o começo da lenda urbana do Bonsai Kitten. A internet foi tomada de protestos, o FBI entrou na jogada, a página saiu do ar e até hoje ninguém sabe quem fez a piada – só se sabe que foram alunos do MIT.
Mas, ainda, cravar aí o começo da gatomania é ignorar que ela já existia no Antigo Egito. Se os faraós tivessem banda larga, tudo teria começado lá. E a internet está cheia de piadas que insinuam que os hieróglifos não passam de LOLcats da antiguidade.
Por quê? Mas afinal, por que gatos e não cães, papagaios ou pessoas? “Gatos são calmos e elegantes e, ainda, estão sempre fazendo as coisas mais esquisitas! Um dia, eu acordei, e minha gata estava tocando piano, com uma cara de quem fazia aquilo há anos!” É assim que Charlie Schmidt descreve o nascimento do Keyboard Cat, que, embora tenha ficado famoso só em 2009, quando começou a ser misturado a vídeos para marcar o momento de uma trapalhada, o registro da gata Fatso tocando teclado é de 1984. Schmidt segue com sua resposta: “Cachorros são fedidos e bobos. Papagaios não são macios e fazem piadas ruins. E pessoas não são engraçadas já há algum tempo.”
Respondido o porquê da produção de extenso material protagonizado por felinos, falta desvendar a outra ponta da equação: por que as pessoas veem essas fotos e vídeos? Um estudo da Universidade de Virgínia apontou que, após ver fotos de bichos fofos, as pessoas ficam mais felizes e calmas. E que a exposição a essas fotos as torna mais produtivas em tarefas que exigem cuidado.
O palpite de Schmidt vai bem além: “Há séculos que os homens acham que gatos trazem mensagens para nós. Há séculos idolatramos esses bichos. Gatos como o Keyboard Cat são a versão futura da Esfinge”.
Matéria minha publicada hoje no Link Estadão. A ilustração lá do alto é da Veri. Essa daqui é do Cersibon.