Quando botei as panquecas no prato, caiu a ficha: tá, agora aprendi a fazer panqueca! Não tem comparação com o que eu vinha cometendo até aqui.

Tudo começou porque um dia não tinha ovo, só uma caixa UHT de claras. No improviso, as panquecas ficaram perfeitas, me encararam e deram o ultimato: tá na hora de avançar no jogo da panqueca, mocinha.
Um breve retrospecto: sempre fiz a receita do Panelinha (full disclosure: trabalhei lá por 7 anos). Até que um dia bateu um bode. Tava achando minha panqueca seca e grossa. Mudei pra receita do Bittman. Fica mais úmida, mas com outros defeitos. Depois de anos seguindo receita porque “só queria fazer uma panqueca legalzinha, sabe", não deu mais. Tava na hora de acionar o modo TCC.
Então fui pesquisar e aqui vai meu TCC. Ou melhor, um apanhado de como fui pra Série A, depois de anos jogando na Série B de breakfast.
Sal
“Não tenha medo de temperar as panquecas”, diz Alisson Roman no guia Como fazer panquecas do NYT Cooking (todos os guias são ótimos). Depois de experimentar quantidades, para uma massa com um ovo, uso 1/2 colher de chá. Faz toda a diferença. Toda. Vai na fé.
(Aliás, se quiser uma receita de base, vai nessa aqui)
Buttermilk
Sempre virei o olho pro papo “aaaai, panqueca com buttermilk é ooooutra coisa”.
- Sei, buttermilk. Aquele produto que fica na mesma prateleira de cocô de unicórnio nos supermercados desse Brasilsão de Meu Deus? Aham.
Mas agora moro numa cidade em que o buttermilk fica na geladeira de dairy mesmo, junto com leite, iogurte, ricota etc. Então me rendi, comprei e usei e… meu… aaaaai, é ooooutra coisa. Saco. Fica muito melhor.
Tá, linda, mas e aí, como resolve? Iogurte de leite desnatado diluído com leite ou água (pelo que li, 2 partes de iogurte pra 1 parte de leite/água). Buttermilk é um creme fluido, então vá diluindo até parecer um iogurte de beber. Eu usaria tudo desnatado, porque o buttermilk tem bem pouca gordura. Mas sei lá, usa o que tem na geladeira, né?
Ah, e na próxima vez que vier pros EUA ou tiver amigo vindo, compra ou encomenda buttermilk em pó. Segundo esse teste do (excelente) The Kitchn é o melhor substituto.
Se você achar buttermilk ou experimentar iogurte, adiciona também bicarbonato de sódio (além do fermento químico). O bicarbonato reage com o elemento ácido e dá ainda mais fofura pras panquecas. (Se for usar só leite mesmo, aí não coloca bicarbonato não, porque ele não vai reagir e pode deixar um gosto de sabão.)
Mexe direitinho
Ah, mas vai misturar tudo mesmo, que diferença faz a ordem ou o jeito?
Risos. Sei como é, também já tive uma fase de ceticismo culinário, quase sempre alimentado pela falta de informação/repertório. (Como quase todo negacionismo, né? Todos semeados no terreno fértil da ignorância.)
Quando você lê, digamos, umas três receitas de panqueca fica claro que o xis é misturar pouco pra não acordar o glúten da farinha (o que deixa a panqueca dura). Aqui nos EUA, a galera bate na tecla de que grumos não são um problema. Truco! Caí nesse papo e o resultado foi panqueca com… grumos de farinha. Tô fora.
Depois de algumas levas, afunilei o que importa e pra mim ficou assim: misturo todos os secos, coloco os líquidos no centro da tigela (sem misturar antes, pra economizar uma tigela) e vou mexendo de dentro pra fora até a massa ficar mais ou menos homogênea. Não precisa estar lisíssima, mas sem grumos, please.
Pessoalmente, tenho o hábito de peneirar a farinha sempre. Sempre sempre sempre. Seja porque já achei muito carruncho, seja porque odeio farinha empelotada. Recomendo. Não dá trabalho a mais (é questão de hábito) e tudo fica mais fácil com a farinha soltinha.
Capricha no óleo
Americano faz panqueca na chapa de ferro. Mais especificamente numa Lodge Griddle.

(Breve parêntese para amantes de panelas: aqui tem essa marca, Lodge, que todo mundo ama. É no estilo: fui pra mountain cabin cozinhar no fogão à lenha. Le Creuset e Staub são amadas também, mas um americano vai preferir fazer o boeuf bourguignon dele numa Lodge e chamar de hearty beef stew.)
Eles juram que se a chapa tá bem curada, não precisa de gordura (Truuuco!). Eu uso uma frigideira antiaderente grande. (Pode ser que eu esteja neste momento quase comprando uma Lodge griddle?)
Depois de ler diferentes opiniões sobre quantidade e tipo de gordura, bati o martelo em: um fiozão de óleo vegetal a cada leva. Motivos: o óleo não queima (diferente da manteiga) e a panqueca fica crocante e dourada (não é deep frying, claro, mas um pouco mais do que um fio). Fui calibrando até chegar no fiozão (umas levas ficaram engorduradas).
O flip
Aí que você abraçou todas essas frescuras, mediu o sal, importou buttermilk, misturou bicarbonato com fermento, mexeu a massa virado pro sol nascente, na ponta do pé, ouvindo Mozart… E na hora de cozinhar a panqueca pegou uma frigideira pequena, uma espátula grossa, virou de qualquer jeito, a panqueca esbarrou na borda da frigideira, a massa crua grudou no lado… Não né? Faça-me o favor…
O flip é sua assinatura. É ali que você vai proteger cada microbolha que deixa a panqueca fofíssima. Meu método começa com distanciamento social. Cada panqueca precisa do dobro de espaço na frigideira. Assim dá pra virar com cuidado (na minha frigideira, de 12 polegadas, faço 3 panquecas pequenas por vez).
E como vira? Como se fosse um bebezinho que tá dormindo muito perto da beirada da cama e você quer deixar seguro mas sem acordar. É um gesto confiante mas delicado.
Direto pra grade
O maior erro da panqueca mora no final de tudo: tirar da panela e empilhar num prato. Ela fica molhada e molenga, em cima e embaixo. Deixe as panquecas esfriarem numa grade enquanto faz a próxima leva e só então empilhe.

Pronto. Uma leva de panquecas da Série A saindo! Eu e meu filho mais novo comemos panqueca pura. O mais velho coloca xarope de maple e manteiga. Os dois participaram dessa jornada e concordam com tudo que eu disse, menos com a parte de não misturar muito, como você pode ver aqui.
Mais sobre o buttermilk.
Você já deve ter lido que buttermilk, ou leitelho, é o líquido que sobra quando você bate o creme de leite até ele virar manteiga, certo? Médio. Essa é a origem do buttermilk, mas ele não é mais isso (e se você bater manteiga e usar aquele líquido pra fazer panqueca me conta o que saiu, porque certamente vai ser diferente). Como assim? Assim: o leitelho era fermentado e só então usado como ingrediente. A fermentação do leitelho dá acidez e muda a textura, que fica mais espessa. O resultado: um creminho azedo, com pouca gordura (afinal de contas, a gordura virou manteiga, lembra?).
O buttermilk industrializado disponível hoje no mercado é leite desnatado fermentado. Tipo um iogurte mais líquido e feito com leveduras diferentes. Por isso funciona tão bem substituir por iogurte diluído. Agora, segundo os ultranerds, usar iogurte diluído altera o tempo de formação das bolhas e a textura da panqueca. Mas no teste do The Kitchn a autora mesmo reconhece: “Dá pra perceber quando você compara lado a lado, mas eu duvido que teria reparado nisso se estivesse preparando meu café da manhã num sábado qualquer”.
A acidez do buttermilk reage com o bicarbonato de sódio para deixar a panqueca mais fofa e também age no glúten da farinha, deixando a massa mais delicada. O resultado é que o meio da panqueca fica menos parecido com massa de bolo — eu descreveria como cremoso, mas sem parecer cru.
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Acho que é o texto mais longo da história do Caracs.
Eu amo amo amo! Virei panquequeira por sua causa! É uma das poucas receitas que sigo certinho pra sempre dar bom!
Eu gosto assim, quando um item culinário vira uma espécie de obsessão, eu chamo isso de "usar a obsessão para o bem". Amei. <3