"It's complicated": uma expressão mágica
Neste ano e meio em que estou morando em Western Massachusetts, essa é das minhas descobertas favoritas
Tá fazendo um ano e meio (amooor) que eu me mudei pros EUA e, até aqui, uma das minhas descobertas favoritas é a expressão: It's complicated.
Ela é tipo um abracadabra das conversas – ou, melhor, um acaba-dabra. Funciona assim: o papo tá indo prum lado chato. Digamos que você terminou um relacionamento. E tá numa reunião de família. Depois do oi, tudo bem, como tá, vem a tia com a pergunta: E o namoro? O que aconteceu?
Aí você faz uma pausa – pode dar um suspiro, olhar pro horizonte ou bem fundo nos olhos da pessoa – e manda: it's complicated.
O assunto desaparece. Aqui, a pessoa entende na hora e automaticamente surge outra pauta: Viu White Lotus? Cadê a neve deste inverno? Sua pele tá ótima, como é sua rotina de skincare?
Não precisa se explicar, não precisa pronunciar os dramáticos: não é da sua conta, me erra. Nada. É só dizer as sílabas mágicas e, puf!, problema resolvido.
Serve para evitar papos sobre relacionamentos, saúde, emprego, estudos, filhos, dinheiro, tudo. E aí, terminou de escrever a tese? It's complicated. Que curativo é esse no seu pescoço, o que houve? It's complicated. Arrumou emprego? It's complicated. Vocês pensam em ter filhos? It's complicated.
Agora, claro, é preciso moderação, porque a real é que dá vontade de usar toda hora. E, de complicated em complicated, você pode acabar se fechando. É chato falar sobre assuntos difíceis.
Eu uso complicated algumas vezes. Se estivesse em SP, tentaria emplacar um "it's compli", bem paulistano. Sempre que uso, penso nele como uma faca de dois gumes. De um lado tem a beleza desse pacto de respeito. Não quer falar, não fala. Beleza, o papo segue, no hard feelings. Por outro lado, uma forçada de barra de uma pessoa próxima pode ser o empurrão para um desabafo importante – e o caminho para aprofundar laços.
No Brasil, a naturalidade de fazer perguntas diretas sobre os assuntos mais pessoais do mundo pode ser muito irritante (no caso do parente sem noção que ataca no Natal), mas ajuda a criar intimidade (tipo o amigo realmente preocupado que quer saber como ajudar). Ao mesmo tempo, a real é que muita gente avacalha e, piscou, vira confidente do estranho sentado ao lado no trajeto do ônibus – e acha que todo mundo tem que ser assim, bem aberto. Por outro lado, também é chato quando o excesso de cuidado engessa a conversa. Quando pra evitar desconforto, fica todo mundo nadando no rasinho, com boia no braço e coletinho de isopor... It's complicated.
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Bom demais ler seus texto, Helô! Flui tão bem... :***
Obrigado sempre pelos textos!