Tirando dois brevíssimos intervalos, minha carreira inteira se deu em redações de jornal ou site. Como repórter, editora-assistente, editora ou colunista. Eu e meu teclado. Batalhei pra deixar meu português profissa, posso escrever numa gama de registros e gosto especialmente de melhorar o texto dos outros sem mudar o estilo.
Aí eu mudei pra cá e decidi que queria um emprego aqui. Aqui onde os textos não são em português e 99,99999% das pessoas nunca ouviu falar em Folha, Estadão ou Rita Lobo – resumo rápido do meu currículo.
Mas eu decidi que queria um emprego aqui. Então fui atrás. Claro que queria algo na minha área, mas eu tava bem cética.
Então decidir fazer uma lista das coisas que queria saber fazer e não sei. Pra então procurar emprego para aprender. A lista ficou assim:
Operar escavadeira, rolo compressor, guindaste etc.
Qualquer-coisa-café (não deixa de ser operar maquinário)
Biblioteca
Mandei muito CV pra diversas posições nessas três áreas. Como é chato procurar emprego. Ninguém responde, quando respondem é: decidimos seguir em outra direção. Que saco. Abraço apertado pra todo mundo que tá passando por isso.
Por fim, uma delas começou a andar. Era uma vaga pra ser operadora de empilhadeira no estoque de uma loja de material de construção gigante. A empresa dava todo o treinamento (e deixava aberta a possibilidade de treinamentos futuros em outras máquinas. Ou seja, perfeito). Fiquei animada.
A entrevista foi marcada por email, eu tinha um horário com um cara com um nome tipo Steve Wilson. Ou seja, fui esperando encontrar o sr. Wilson do Dênis, o Pimentinha (Se é 40+: lembra? Se não é: a ref é essa aqui).
Cheguei lá e o cara era gêmeo do Timbaland, todo tatuado e muito descolado.
A entrevista foi agendada pra durar 15 minutos. Comecei a contar minha história e ele começou a contar a dele. A vida toda ele trabalhou com cultura sneaker. Até que decidiu que queria ganhar mais, ter estabilidade e tal. Então descolou esse emprego na loja gigante de material de construção, ele é o chefão da unidade da minha região.
A gente se identificou na quebra de trajetória, a gente se identificou por ser estranhos num subúrbio majoritariamente branco-americano. O papo durou bem mais que uma hora e teria sido ainda mais longo se eu não tivesse que ir buscar meus filhos na escola.
Deu uma semana, recebi o aviso de que tinha passado pra próxima fase: teste de drogas e uma checagem de antecedentes criminais.
Fui lá, fiz o teste e passei. Fiz a checagem e passei. Recebi a notícia na sexta-feira à noite: a vaga era minha, o treinamento começava dali a uma semana.
(Breve parêntese. Contei pra algumas pessoas. E tive dois tipos de reação. 1. QUE DAORA. Isso é control+C/control+V de uma conversa real. 2. Tem certeza que é seguro trabalhar como operadora de empilhadeira, descarregando caminhões em um galpão de estoque, estando você grávida? Ah é, tem isso também: eu tô grávida.)
Um dia depois recebi a proposta pra o meu emprego atual. Juro. Sábado à tarde minha hoje chefe me ofereceu essa vaga de gerente de comunicação de um departamento muito legal dentro da maior universidade da região.
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Eu queria aprender a operar uma empilhadeira, já podia ver meu filho mais novo se gabando pros amigos de ter a mãe mais cool do planeta. Tinha visualizado uma carreira. Empilhadeira → Mini-escavadeira → Escavadeira → Guindaste. Meu macacão bege, meu colete azul. Meus protetores auriculares.
Nos eventos da faculdade onde meu marido dá aula, certeza que ia formar rodinha em volta de mim sempre que eu começasse:
- Eu? Não, não dou aula. Sou operadora de empilhadeira.
De todos os meus trabalhos, teria sido top 5 melhor puxador de conversa. O primeiro foi: colunista de cerveja. Minha fase mais pop. Redatora de resumo de novela também rendia. Trabalhar com a Rita Lobo também. Repórter de viagem também. Pensando bem, sou bem boa de arrumar emprego puxador de conversa.
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Sou muito a favor de mudança. Refresca a vida, amplia a perspectiva, levanta o tapete e mostra tudo que a gente escondeu lá embaixo. Também sou movida a aprender – sou capaz de me enfiar em situações extremas se vislumbrar a oportunidade de aprender algo que me interessa.
Mas senti um imenso alívio de poder continuar minha trajetória como jornalista. Já tem mudança pra caramba (não é redação, é universidade; não é português, é inglês). E a verdade é que eu adoro fazer o que eu faço e tô me divertindo muito.
Na segunda-feira seguinte escrevi pro Timbaland Wilson agradecendo e contando o que tinha rolado. Ele me respondeu com uma mensagem que parecia genuinamente feliz por eu ter conseguido algo que fazia mais sentido pra mim. E disse que se eu ainda quisesse aprender, era só colar na loja que ele me ensinava.
Quando contei essa história pra minha atual chefe, ela deu muita risada e disse:
- Não acredito! Eu também amo maquinário. Tenho um pequeno caminhão basculante e dois tratores, xpto e xyz. Quando quiser aprender é só vir em casa. Mas acho melhor deixar pra depois que o bebê nascer.
Juro. É tudo verdade. A única coisa que inventei foi sr. Wilson. O nome do cara na verdade era sr. Wilburn.
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Helô, queria te contar que eu já fiz esse treinamento para operar empilhadeira. Também foi numa outra vida, quando eu era agrônoma em minnesota (lembra?) Vai lá um dia e aprende esse negócio!
Melhor história que eu já li. Quero que todas as pessoas leiam. Obrigada por ele 👏🏻