“Quem te viu e quem te vê: das baratas de Perdizes aos ursos de Massachusetts!!”
Foi assim que o Albie reagiu ao vídeo que eu mandei pra ele. Esse aqui:
Essa escada leva do quintal ao deque da minha casa. E ali, à direita, está um urso, de pé, apoiado no pilar, tentando alcançar o comedor dos passarinhos, que fica no guarda-corpo do deque.
O urso subiu as escadas, derrubou o portãozinho de criança, tomou um susto e foi correndo pra casa do fundo, a mesma que dá pra ver na foto.
O urso é só o ponto mais alto até aqui de uma história que ainda está rolando: a primavera. E, pra melhorar, recentemente botamos comedores de pássaro no jardim e no quintal. A gente mora entre florestas e campos, tem muita vida silvestre.
No primeiro dia em que ficamos olhando pela janela, eu e o meu filho contamos 22 diferentes espécies de pássaros.
Tô me adiantando, deixa dar um passinho pra trás.
Quando cheguei, um dos sinais mais claros de que eu estava “fora do lugar” era não saber nome de ave, árvore, inseto. Sabia blue jay e cardinal, que equivale a dizer que sabe arara e papagaio. Jura? Sabia maple, que é igual dizer que sabe palmeira. Tá, maple qual? Palmeira qual?
Tenho aflição de quem não se situa. Não sabe onde está, o nome das coisas. Claro, tem a turma que vive outra sintonia, em vez de ler a placa da rua, guarda uma sensação, tenho amigos-amados que são assim. Mas não é isso, tô falando de não viver o entorno. Com essa loucura de celular, scroll, tela, acho tudo meio humanos de Wall-E.
Enfim, quando me dei conta de que tinha voltado pro estágio palmeira-arara-papagaio, saí comprando guia de aves, insetos, árvores, cogumelos. Ainda sou beginner, mas acho que já passei da fase 1.
Então, vieram mais de 20 espécies de ave num dia. Chickadees, nuthatches, cardinals, finches, pica-paus… O número só aumenta. Esses dias até falcão veio – ele não queria as sementes, mas sim os passarinhos menores que estavam ali fazendo um lanche. Veio esquilo também – e a gente teve que mudar o lugar de um dos comedores.

Aos poucos a gente vai aprendendo quais espécies são nativas e quais são invasoras, quais estão ameaçadas e quais são consideradas pragas. Fica sabendo também das papagaiadas. Por exemplo:
Os estorninhos-malhados são nativos da Europa. Todos os que vivem na América do Norte descendem de 60 aves que foram soltas no Central Park em Nova York nos anos 1890*. Por quê? Porque as pessoas queriam que a América tivesse todas as aves mencionadas por Shakespeare – e o estorninho aparece numa frase.
Hoje, centenas de milhões de estorninhos vivem do Alaska ao México. E são odiados, tipo pomba. Desalojam aves nativas de seus ninhos, arrasam plantações, transmitem 25 tipos diferentes de doenças. Seu excremento até mesmo corrói estruturas de construções e pode levar a desabamentos. Parabéns, pessoal!
Mais sobre estorninhos nos EUA nesse ótimo e elegante texto no NYT.
Voltando às baratas e o ao urso.
A gente tem uns estorninhos que vêm comer aqui. Tem ratinho morando no jardim. A grama é infestada de carrapato que dá doença gravíssima. Não quero vender a ideia de que vivemos num bucólico cenário rural – embora seja verdade também.
Mas também é verdade que nos últimos 18 meses em que vivemos no Brasil, em lockdown numa vila em Perdizes, nossa casa era invadida todas as noites por baratas. Elas vinham da rua e se espremiam pela fresta da porta pra entrar. Tinha rodinho, rolinho, o escambau, pra elas não passarem, mas todo mundo sabe que baratas são bem insistentes.
Eram muitas, todos os dias. Ao ponto de o Simon fazer uma contagem na parede de lousa. Aprendemos que existem dois tipos de baratas vivendo em Perdizes, a francesinha e a americana (caralho, parece cardápio de sanduíche). Aprendemos que a americana é grande e a francesinha é pequena e ligeira. Aprendemos que a vespa-joia mata baratas e aprendemos que a vespa-joia vive em Perdizes também.
Aliás, a vespa-joia é linda.
Onde eu quero chegar? A graça do Caracteres é que não precisa chegar em lugar nenhum. Mas quanto mais eu olho pros passarinhos (e pros insetos, pros cogumelos) mas me dá certeza de saber pouco e vontade de saber mais. A vida fica mais intrigante. Seja com o urso querendo a semente do passarinho no deque daqui seja com a vespa caçando a barata no quintal de Perdizes.
*Outras 35 aves foram soltas na costa Oeste, perto de Portland. Mas deixar essa info lá piorava o texto.
4.682 caracteres com espaço
Li sua carta cantarolando mentalmente “Of Monsters and Men” do Dirty Paws e combinou muuuuitoooo. Vc já sabe, mas tô amando seus textos!! Me sinto pertinho aí na sua cozinha, quintal, etc