Welcome do fabulous Las Vegas

Nenhuma janela está aberta, mas é permitido fumar. O ruído eletrônico das centenas de caça-níqueis não para. Descombinando com papéis de parede decorados, carpetes estampados escandalosamente cobrem o chão e exalam um cheiro esquisito - misto de suor e de fumaça, com toques de mofinho. E esse cheiro nunca vai embora, pois, como já dito, nenhuma janela está aberta. Bem-vindo a um cassino, ambiente proibido para menores de 21 anos e para qualquer pessoa com tendências depressivas.
Centenas de pessoas ficam horas ali perdendo rapidamente seu dinheiro. Por isso ou para isso, a bebida é por conta da casa. É só colocar uma moedinha na máquina que aparece uma garçonete perguntando o que vai ser. Escolha o que quiser e dê gorjeta - no mínimo US$ 1.
O cassino é o lugar da suspensão das mudanças naturais do dia. A temperatura é constante. Em uma cidade em que à meia-noite a temperatura pode ser de 31 graus, em um cassino faz sempre quase 22. Lá dentro, as horas só passam no relógio. A iluminação isola os jogadores do fato de ser dia ou noite. Pessoas bebem uísque às 8h. Elas podem não ter ido dormir, podem não saber que já amanheceu. Vive-se uma espécie de começo de noite infinito. É possível querer jantar antes mesmo de ter almoçado.
Reza a lenda que as janelas não abrem para evitar o suicídio dos que perderam muito dinheiro. Os gerentes de hotéis negam a medida precavida; alegam que o ar-condicionado precisa do ambiente fechado para combater o calor do deserto.
Existe uma hierarquia velada entre os jogadores: o último degrau é formado pelos acompanhantes, os que não jogam. O penúltimo é o nível dos caçadores de níqueis. Então vêm os apostadores de jogos tradicionais - cartas, roleta, dados, apostas esportivas. Acima de todos, pairam os apostadores de fortunas, que têm salas separadas para perder seus milhares de dólares sem o assédio dos mortais.
Em um lugar em que se entreter é a máxima, estar triste é quase proibido. Las Vegas não é destino para quem vive uma fase difícil. Perambular pelo cassino observando as pessoas é receita certa para chafurdar na inquietude de uma alma machucada. A epidemia de obesidade, a hipnose dos caça-níqueis e a aparente solidão coletiva destroem qualquer chance de recuperação para quem está entristecido.
PS: Reedição de matéria minha publicada no caderno de Turismo da Folha de S.Paulo em julho de 2005. Como é reedição, não conta letrinha. PS2: Las Vegas é um dos meus cantos favoritos no mundo. PS3: A foto é desse cara aqui.