Muito antes de eu mudar pra cá, minha amiga Nat contou essa história: a tia do marido dela morou 10 anos nos Estados Unidos. Nunca aprendeu a falar inglês. Um dia, numa visita ao Brasil, contou que tinha comprado um:
- Di-vi-di.
Um aparelho de dê-vê-dê. Di-vi-di… Adorei e aderi. Dali pra frente, sempre que alguém dizia um anglicismo (tipo: vou upar o vídeo), a gente emendava: di-vi-di.
Virou gíria.
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Eu amo português brasileiro. É das minhas coisas favoritas do mundo, perto de jornal impresso, figo, água com gás, psitacídeos e coleópteros. Leio livro traduzido pro português, admiro os tradutores e não faço questão de ler nada no original (leio se quero). Quando alguém fala:
- Ai, mas perde muito.
Respondo na cabeça: - Mas ganha também, porque agora tá em português.
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O português brasileiro é uma bandeira fincada na minha casa. Não sou patriota e rejeito nacionalismos por princípio (tipo a Angela Merkel aqui). Apesar de fazer arroz com feijão sempre, acho besta tentar reproduzir detalhes da vida no Brasil. Mas…
Em casa só falamos em português. Inclusive meu marido, que não é brasileiro. Ele aprendeu, a palavra favorita dele é abacaxi (seguida de ziguezague) e meu coração dá piruetas quando ouço ele chamando nosso filho mais novo pela casa:
- Lalinhô! Vem, Lalínho!
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Mas, nossa, e por que toda essa cafonice e exposição agora?
Porque apesar do meu cuidado, de todo carinho e das minhas ternurinhas, o português fica querendo ir pra debaixo do fogão.
Não quero apontar dedos, mas começou com meu filho mais velho.
- Mãe, você tem que tentar esse sorvete.
Aqui é try pra tudo: tentar, experimentar, provar.
As confusões dele têm uma beleza tão própria que criei um arquivo. Ele fala, eu anoto. Fiz uma pequena seleção:
- Tá chovendo duro!
Num dia de temporal. Porque a chuva não é strong, é hard.
- Quando a gente se moveu pra cá, ...
Por um lado, essa me faz pensar em nós, transformados em caracóis, se movendo para cá com todas nossas coisinhas. Por outro, o verbo se mudar embute as transformações invisíveis que vêm com a mudança em si, todos os abandonos e todas promessas.
Guardei duas favoritas pro final.
A primeira precisa de contexto. Um dia, um urso vandalizou nosso jardim. Ele destruiu a câmera que usamos pra filmar animais (essas acionadas por movimento) e quebrou o comedor de passarinho pra roubar as castanhas. Contei pro meu filho e ele, olhando pra cena de destruição, disse:
- Peraí, deixa eu pegar isso reto: (e repetiu a sequência dos acontecimentos).
É a tradução literal de Let me get this straight, ou em bom português Deixa eu ver se entendi.
A segunda foi na temporada Asterix. A coleção de Asterix é do Simon, então a maioria dos livros tá em inglês. Ele tava lendo, levantou o olho e anunciou:
- Quero comer javali no cuspe!
Além de gargalhar, respondi:
- É porco no rolete, di-vi-diiiiiii!
Claro que agora, entre nós dois, todo espeto chama cuspe (spit é espeto e é cuspe). Além de amar português, sou muito a favor dos dialetos incompreensíveis que vão se formando nas relações mais íntimas.
- Pega um cuspe de churrasco na gaveta pra gente ver se o bolo assou.
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However (di-vi-di), pra ficar no tema saliva: quem cospe pro alto toma na testa.
Sábado, madruguei pra assistir a Copa do Mundo de críquete. Meu marido aprendeu a falar português, e eu aprendi a gostar de críquete (ele é neo-zelandês). É parte do nosso intercâmbio cultural.
Apesar de ser muito parecido com bets (ou taco, dependendo de onde você cresceu), ainda tô aprendendo – e não tava conseguindo entender a tabela do torneio. A primeira fase é muita longa. Então entrei no site da Copa do Mundo. Enquanto olhava, minha cabeça disse dentro dela mesma:
- Aaaah, todo mundo joga mundo na primeira fase.
Di-vi-di! Di-vi-di! Di-vi-di! O di-vi-di tocou igual uma sirene.
Sorte que foi dentro da minha cabeça & que eu tava sozinha (meu filho não perderia essa chance de me zoar muito).
Eles dispensam o contra na hora de jogar. Você não joga contra o outro, você joga o outro. Chega a ser engraçado (ainda mais se fosse rúgby) porque parece que os jogadores de um time erguem os jogadores do outro e jogam para longe (seria possível no rúgby). Mas na hora não teve graça nenhuma.
Levantei do computador sentida com meu português, passei um café que trouxe do Brasil (recomendo demais), fiz uma tapioca e sentei na frente da tevê pra ver a Nova Zelândia perder da Índia pela primeira vez em 20 anos numa Copa do Mundo.
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Que sensacional!
Meus filhos nasceram fora do Brasil, retornamos há dois anos, mas o meu “mais velho” (do alto dos seus 9 anos) tem dessas gringuices que me fazem sorrir. O push e pull dele são invertidos. Sabe aquele erro clássico do brasileiro que lê push e sai puxando? Então, ele lê puxe e empurra😄
Ah, que demais! Também faço parte do fã-clube do Português-BR. Não tenho filhos, mas desde que nos mudamos para os Estados Unidos, meu marido e eu falamos num dialeto, aportuguesando o inglês em palavras que achamos engraçadas – como arugula.